Os solos calcários frágeis dos campos úmidos de nascentes (banhados) da região de Bonito e Bodoquena estão ameaçados devido a drenagem e o plantio agrícola. As recentes drenagens de amplas áreas e a consequente supressão da vegetação nativa destes banhados que possuem várias espécies de plantas associadas a dominância de Cladium jamaicenseCrantz (capim-navalha), tem comprometido não só a integridade ambiental bem como a principal atividade contribui com a economia local, o ecoturismo. A importância dos banhados de Bonito para manutenção do sistema hídrico superficial e subterrâneo é indiscutível e sua drenagem é a principal causa de alteração da vegetação, da integridade daquele ambiente e da turbidez das águas do rio da Prata e outros cursos d´água utilizados em passeios ecoturísticos.
Além da implantação dos drenos nas nascentes a falta do controle efetivo das práticas agrícolas em suas áreas adjacentes, e a consequente implantação de vastas áreas de produção agrícola em áreas de influência do rio da Prata, tem potencializado ainda mais os efeitos impactantes negativos sobre as atividades turísticas daquela região. Identificamos conflito de uso destas áreas distribuídas em pontos limítrofes e de amortecimento do Parque Nacional da Serra da Bodoquena. Devido controvérsias conceituais das feições hidrológicas destas áreas úmidas há reflexo e implicações jurídicas quanto as possibilidades e forma de uso dos banhados de Bonito.
Conforme a Lei 12.651/2012 (Brasil 2012) áreas naturais com aquelas características são passíveis de proteção a partir da categoria das Áreas de Preservação Permanente – APP. No entanto a legislação ainda é imprecisa, existindo brechas e, consequentemente, os órgãos de licenciamento ambiental têm permitido intervenções locais e a expansão do sistema produtivo agropecuário que tem avançado de forma intensiva, agressiva e sem respeitar normas técnicas quanto ao uso e conservação do solo. Este avanço tem ocorrido não só nos próprios banhados quanto em suas áreas de influência causando sérios problemas aos empreendedores do ecoturismo local.
Na carência de marco regulatório o regime de proteção dessas áreas deveria ser diferenciado, e as intervenções locais ou de supressão de vegetação nativa nestas áreas de APP, deveriam ser permitido apenas em hipóteses excepcionais e previstas na legislação. Os drenos implantados nas nascentes e banhados e a produção agrícola tem resultado em modificação nestas áreas como um todo, nos pequenos corpos d’água e nos rios da região especialmente no Rio da Prata. Estas alterações interferem nas características físicas, químicas e biológicas dos rios e dos corpos d’águas, com resultados e perdas incalculáveis para a biodiversidade aquática em curto e longo prazos.
O comprometimento de todas as atividades ecoturísticas locais já é realidade, pois é baseada na beleza cênica proporcionada pela biota aquática presente em águas límpidas, devido à presença do calcário muito puro dissolvido na água, que provoca a precipitação das partículas de argila em suspensão. No entanto, as alterações antrópicas recentes na região especialmente com implantação de áreas de agricultura, resultam em sedimentos carreados nas valas de drenagem dos banhados. Esta grande quantidade de sedimentos causa turbidez em águas anteriormente extremamente límpidas, comprometendo todas as flutuações e mergulhos em trilhas subaquáticas, agendadas nos atuais períodos de chuvas. Os rios locais, cujas atividades ecoturísticas permitiram importante estados de conservação até a presente data, estão com sua capacidade de resiliência comprometida e, consequentemente, sua biota também comprometida.
A complexidade e diversidade desses ambientes, as dúvidas na interpretação e aplicabilidade da legislação ambiental, e a possibilidade do uso sustentável desses ambientes resultaram neste conflito de uso. O órgão estadual ambiental, por competência legal, tem expedido licenças ambientais para intervenções nessas áreas, que possibilitou a construção de canais de drenagem em várzeas para implantação de projetos agropecuários. Assim, a necessidade de preservação desses ecossistemas é imperativo e as dificuldades técnicas de enquadramento jurídico dessas áreas como de preservação permanente deve fazer parte da agenda dos órgãos de controle ambiental do Estado de Mato Grosso do Sul.
* É professora doutora de botânica da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul