Árvores só atrapalham as cidades se não receberem o tratamento certo

 /

As árvores urbanas são fundamentais para as cidades, uma vez que já foi comprovado que a presença delas no entorno de pontos de ônibus, por exemplo, pode fazer com que a percepção do tempo de espera seja menor que a quantidade de minutos passados. Há inúmeros outros benefícios trazidos pela presença desses espécimes que nos trazem sombra e um pouco da memória da vegetação nativa que era predominante por aqui.

O problema é que, muitas vezes, a relação das árvores com a cidade é difícil e o que deveria ser um ganho de área verde na cidade concretada é tratado como um obstáculo. As raízes podem levantar placas de calçadas ou crescer tanto a ponto de ocupar todo o espaço e impedir a passagem de pedestres. Os galhos podem crescer a ponto de alcançar o emaranhado de fios da rede elétrica, telefônica e de TV a cabo. Quando chove, as quedas representam riscos de acidentes e de obstrução das vias. Considerando que São Paulo tem aproximadamente 650 mil árvores em ruas e avenidas (números da prefeitura com base em imagens de satélite), há campo de sobra para conflitos.

LEIA MAIS: O que você vai fazer hoje, benzinho? Mapear árvores

Em 28 de dezembro de 2014, por exemplo, um temporal derrubou 286 árvores em uma única noite e, destas, 128 espécimes atingiram a rede de fiação (caso da foto abaixo). Esse foi um evento atípico causado pela intensidade dos ventos, mas ele é ideal para começarmos essa conversa sobre manutenção da vegetação urbana porque a responsabilidade de fazer o manejo das árvores dos espaços públicos é da subprefeitura local, mas quando ela encosta na fiação a Eletropaulo deve fazer ela mesma o serviço ou desligar a rede para que a administração pública possa realizar a poda ou a retirada.

Quando a poda tem caráter emergencial, caso de algumas das ocorrências registradas logo após essa tempestade (casas ficaram sem energia elétrica devido ao danos causados à fiação suspensa), a concessionária pode fazê-la sem precisar de avaliação dos especialistas da prefeitura. No caso de podas preventivas, a Eletropaulo é chamada pelo poder público para desligar a rede para que a poda seja feita ou a própria companhia de energia elétrica identifica a necessidade da intervenção e solicita uma autorização para realizar o trabalho. Enquanto as subprefeituras são responsáveis por cuidar das árvores em vias públicas, aquelas que se encontram em parques municipais e praças são de responsabilidade da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente.

Essa conversa não é tão célere quanto deveria. Dentro desse processo, a autorização pode chegar de 30 a 60 dias após a solicitação inicial. A demora é ruim em vários aspectos, sobretudo pelo fato de a poda que deveria ser preventiva acabe se tornando de remediação (pois o potencial dano que a árvore causaria se torna um dano real) e porque pode perder o melhor momento da fase fenológica para o corte da árvore (mais sobre isso ainda neste texto).

A poda é um procedimento que agride a árvore e deve ser feito apenas quando considerado necessário, conforme a avaliação do engenheiro agrônomo ou biólogo responsável que realizou a vistoria técnica. A realização de poda ou retirada irregular de árvores de espaços públicos é proibida pela lei municipal nº 10.365. Caso você queira denunciar um corte irregular deve entrar em contato com o disque-denúncia pelo número (11) 3396-3285, que recebe, em média, 30 denúncias por mês e aplicou 119 multas em 2015. Apenas as subprefeituras e a empresa concessionária de energia elétrica podem podar ou retirar árvores do espaço público. No entanto, em casos de risco iminente para população ou para o patrimônio, tanto público quanto privado, esse tipo de intervenção pode ser realizada em atividades de segurança pública, defesa civil e do corpo de bombeiros.

Por que podar?

Para solicitar uma poda é preciso entrar em contato com a ouvidoria da prefeitura pelo telefone 156 ou pelo SAC online. Antes de ligar, no entanto, é importante saber que o seu pedido pode ser indeferido se motivado pela sujeira causada pela queda das folhas ou presença de insetos, por exemplo. Você pode tesourar aquele seu vizinho reclamão explicando que ipês-amarelos, sibipirunas e araribás perdem as folhas periodicamente e a presença dessa folhagem nas calçadas e passeios pode até incomodar, mas não é motivo para o corte de galhos ou remoção.

Segundo a Secretaria de Coordenação das Subprefeituras, foram recebidos foram 44 mil pedidos de vistoria de árvores em vias públicas entre janeiro e outubro de 2015. Para efeito de comparação, a administração municipal recebe, em média, 4,4 mil solicitações e envia aproximadamente 200 pedidos de poda para a concessionária de energia por mês. Só esse ano, mais de 77 mil podas foram realizadas pelas subprefeituras na cidade de São Paulo. Ainda segundo a Lei Municipal n° 10.365/87, a aplicação da poda se justifica nas seguintes situações:

• Risco iminente de queda da árvore ou de parte dela
• Se a árvore estiver causando danos aos bens públicos ou privados
• Nos casos nos quais a árvores estiver obstruindo de maneira incontornável a passagem de veículos (pois é, não diz nada sobre pedestres)
• Se ela impossibilitar o desenvolvimento adequado de outras árvores vizinhas.

Como árvores adultas têm mais dificuldade de se recuperar, é recomendado que espécimes jovens passem pelas chamadas podas de formação, realizadas ainda no viveiro, e de condução, para direcionar o desenvolvimento da copa. Logo, uma das funções da poda em árvores jovens é selecionar os ramos permanentes e influenciar o crescimento de maneira que ele corresponda a sua função. Árvores de calçadas e canteiros, por exemplo, devem ter sua copa levantada para liberar o fluxo da via de maneira que os galhos baixos não virem um problema quando as mesmas se tornarem adultas. Essa adequação deve ser feita respeitando a estrutura arquitetônica de cada espécie.

VEJA TAMBÉM: Conheça o homem que abraça e cuida das árvores de São Paulo

Em árvores com problemas estruturais, a poda de correção pode ajudar a evitar que os mesmos comprometam a sua estabilidade ou desarmonizem seu desenvolvimento. Já as podas de limpeza ou manutenção tem a função de retirar galhos doentes ou mortos e a de adequação tem como objetivo eliminar conflitos entre a árvore e elementos da paisagem urbana como, por exemplo, a fiação suspensa. Por último, temos a poda de levantamento para desobstruir o fluxo das vias e a poda de emergência, que é feita quando a árvore apresenta risco iminente para as pessoas e/ou para o patrimônio público ou privado.

Quando podar?

Escolher corretamente a hora de fazer o corte é fundamental para que a árvore consiga se recuperar da poda, fazendo com que seus mecanismos de defesa deem conta de “cicatrizar” a área afetada. Um dos fatores importantes a serem considerados é a fase fenológica da árvore, ou seja, o estágio do ciclo de floração, frutificação, brotação e queda das folhas no qual o espécime se encontra. Para identificar o melhor momento para a realização da poda é preciso primeiro saber se a espécie possui um padrão de ciclo caracterizado pelo repouso verdadeiro, repouso falso ou sem repouso aparente.

As espécies de repouso verdadeiro possuem fases fenológicas bem distribuídas ao longo das estações: perdem as folhas entre o outono e o inverno, passam pelo período vegetativo no qual surgem nova folhagem e ramos verdes entre a primavera e o verão e entram na etapa reprodutiva logo em seguida, produzindo flores e frutos. As árvores de repouso falso também perdem as folhas entre março e setembro, mas florescem ainda no final do inverno ou logo no início da primavera. Já as espécies sem repouso aparente tem suas folhas renovadas constantemente em vez de perdê-las em uma determinada época do ano. Para saber em qual tipo de ciclo aquela árvore que tem na frente do seu trabalho ou no caminho entre a sua casa e a padaria se encaixa, você pode usar a tabela abaixo.

Fases do ciclo fenológico das árvores no estado de São Paulo. Fonte: CRESTANA et. al. Árvores e Cia. Campinas – CATI. 2007

Fases do ciclo fenológico das árvores no estado de São Paulo. Fonte: CRESTANA et. al. Árvores e Cia. Campinas – CATI. 2007

A época do ano na qual é realizada a poda tem especial influência no processo de cicatrização ou compartimentalização de árvores que têm a perda de folhas concentrada no outono e inverno. As reações decorrentes do corte, em geral, se dão de forma mais eficiente quando a intervenção não é realizada durante o inverno, uma vez que no inverno a atividade metabólica é reduzida nessa estação. O início do período vegetativo é um momento particularmente propício para a realização da intervenção nas espécies de repouso verdadeiro.

Como podar?

As árvores presentes nos espaços públicos são bens comuns e devem receber os cuidados necessários para que convivam harmonicamente com o patrimônio público, particular e também com as pessoas. Para saber como, afinal, as podas de árvores são feitas, consultamos os manuais técnicos da prefeitura de São Paulo e da AES Eletropaulo. Vale lembrar que se uma árvore cresce a ponto de interferir na fiação suspensa ou cai inteiramente ou parcialmente sobre uma das estruturas de distribuição, a companhia de energia elétrica é chamada pela subprefeitura para desligar a rede para que a administração pública possa fazer a poda ou a concessionária identifica, pede autorização e depois realiza o procedimento. O custo desse serviço prestado pela Eletropaulo já está incluído na conta de luz que chega na sua casa todo mês e também no aluguel dos pontos de fixação nos postes, para cabos de telefonia, dados, televisão e internet.

As árvores crescem de acordo com as suas necessidades ecológicas, algumas espécies tem o crescimento concentrado nas laterais e outas crescem mais para o alto. É possível saber como será seu comportamento antes mesmo das sementes serem plantadas observando um exemplar saudável que tenha sido plantado sob as mesmas condições, considerando que uma árvore isolada se comporta de forma diferente de uma árvore em uma área com vegetação densa. Por isso, a poda deve ser feita, quando necessário, conformando a árvore para que ela ocupe o espaço disponível. A princípio, esse tipo de intervenção não deve ter como objetivo a redução ou delimitação do volume da copa.

Um corte executado corretamente, segundo os dois manuais, deve preservar a crista, que é o acúmulo de casca em formato de meia lua na parte superior da base do galho, e o colar, que é a porção inferior na ligação com o tronco. Esse último é pouco perceptível quando o galho é bem assimilado e o seu destacamento por meio de uma depressão, chamada de fossa basal, indica que o mesmo já não contribui para o crescimento da árvore e está prestes a secar. Manter essas estruturas intactas é essencial para garantir as condições necessárias para o fechamento do “ferimento”.

poda_tipos_manual_pref

Diferentes planos de corte do manual técnico da prefeitura

poda_corte_fossa_basal

A linha A – B corresponde ao plano de corte indicado no manual técnico da prefeitura

As árvores crescem como unhas e cabelos que precisam de manutenção constante. O corte deve ser preciso e liso. É preciso respeitar a biologia da árvore, sem cortar galhos grossos. Se isso é feito é porque a poda está atrasada, não foi feita periodicamente.
Joaquim Cavalcanti, diretor da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana – Sudeste

Repare que o ângulo de corte difere entre galhos com fossa basal e aqueles sem destacamento visível em relação ao tronco. Para evitar descascamento ou remoção de lascas, a realização da remoção de ramos de grandes dimensões não deve ser feito com um único corte e a utilização de motosserra é recomendada quando o ramo possuir mais de 15 cm de diâmetro. Quando não há a necessidade de remoção total de um galho diretamente de sua ligação com o eixo principal da árvore, a intervenção pode ser feita logo acima de uma gema (tecido caracterizado pela ativa divisão celular que produz novas células necessárias ao crescimento da árvore), no seu ponto de inserção sobre o ramo de sustentação ou na axila de uma de suas ramificações.

Efeitos da poda

A retirada de galhos de árvores de espaços públicos pode impactar negativamente as espécies de aves, morcegos, vespas e abelhas que habitam as suas copas. Atentar contra a vida da fauna urbana é ilegal, com exceção dos casos justificados pelo comprometimento da saúde pública, uma vez que ela está protegida pela Lei de Crimes Ambientais (n°9605/1998). Perturbar a reprodução das aves realizando podas onde há ninhos de pássaros também se enquadra nessa lei, sendo proibida a remoção de ninhos em casos não emergenciais nos quais o procedimento possa ser adiado. Para abelhas sem ferrão, o manual da prefeitura considera possível a realização da poda sem nenhuma intervenção, mas no caso de abelhas e vespas com ferrão devem ser avaliados os riscos e considerada a possibilidade de solicitar a retirada de ninhos e colmeias para que os funcionários consigam realizar seu trabalho com segurança.

Não é permitida a perfuração dos troncos das árvores, estando sujeito à multa de R$ 10 mil. Colocar luzes de natal, exceto quando a lâmpada for de luz fria, aquece o caule e pode causar danos à vegetação (Camila Montagner/Outra Cidade)

A poda provoca um desequilíbrio entre a superfície receptora de luz, que é a copa, e a superfície de absorção de nutrientes e água, composta pelas raízes finas. Isso causa uma perda no sistema radicular proporcional à perda de volume da copa. Para tentar restituir esse equilíbrio anterior à intervenção, uma possível reação natural da árvore é o envassouramento, ou seja, a recomposição da massa de folhagem original por meio do desenvolvimento de ramos epicórmicos. Esses ramos possuem uma ligação frágil com a base e podem representar fator de risco futuro, demandando nova manutenção.

Há divergências entre os manuais no que diz respeito à necessidade do uso de substâncias cicatrizantes após a poda. A Eletropaulo recomenda que seja feita um tratamento no local do corte para evitar pragas e fungos, mas reconhece que a árvore pode se recuperar naturalmente. O guia da prefeitura para procedimentos de poda considera desnecessário e até contraindicado a aplicação de produtos na região afetada. Antônio Cecílio Dias, doutor em Recursos Florestais pela Universidade de São Paulo, ressalta que se a intervenção for corretamente executada, é esperado que a árvore se recupere sozinha, ainda que seja comum técnicos indicarem esse tipo de tratamento.

Se não forem garantidas as condições fisiológicas para o fechamento do “ferimento”, a área do corte fica vulnerável e pode servir de porta de entrada para doenças. A poda excessiva pode prejudicar a estabilidade e fazer com que a árvore venha a cair. Intervenções em adultas também podem causar queda do espécime mesmo quando respeitada a recomendação de retirar no máximo um terço do volume da copa.

Entre árvores mortas e com risco de queda, oito mil remoções de árvores das vias públicas foram realizadas este ano pela prefeitura (a administração municipal não possui dados sobre a proporção de cada caso que justifique a remoção). Entre janeiro e outubro de 2015, a Eletropaulo recebeu 1.426 pedidos para remoção de árvores caídas sobre a fiação e 20.476 ordens referentes a quedas de galhos na rede. Segundo a concessionária, aproximadamente 22% dos desligamentos no sistema de distribuição de energia são causados por quedas.

Cuidando do que há de verde na cidade

A Secretaria do Verde da prefeitura de São Paulo foi procurada para fornecer dados sobre as árvores de parques e praças públicas que são de sua responsabilidade, mas não respondeu até o fechamento dessa reportagem. Segundo a Secretaria das Subprefeituras, 650 funcionários divididos em 65 equipes são responsáveis pela execução dos procedimentos de poda e remoção de árvores de canteiros, avenidas e calçadas. Para tomar as decisões a respeito das arborização urbana, a administração emprega 60 Engenheiros Agrônomos trabalhando em áreas verdes, além dos chamados assistentes de gestão de políticas públicas, que cuidam dos documentos necessários.

DICA: Você precisa conhecer esse guia dos parques urbanos

O Sisgau, Sistema de Gerenciamento de Árvores Urbanas, que foi encomendado pela prefeitura em 2003 e desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas para monitorar a presença de fungos, cupins, brocas e formigas nas árvores. O último número disponível sobre esse levantamento, divulgado em janeiro,  é de 48 mil espécimes cadastrados, ou seja, 7,4% do total de árvores mapeadas por satélite. A Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, a Coordenação das Subprefeituras e  o IPT foram questionados sobre o número atualizado de árvores inventariadas pelo Sisgau, mas também não responderam antes da finalização desse texto. Além dessas informações sobre a saúde da planta, o cadastro inclui a localização, características biológicas, geométricas e se há alguma interferência do equipamento público e/ou fiação suspensa. Uma vez levantadas, essas informações permitem a identificação, entre outras coisas, do risco de queda de cada espécime.

Ter um banco de dados detalhados sobre o estado de saúde de cada árvore urbana é importante para o planejamento do manejo e a prevenção de quedas. Sem esses dados, o tratamento dado à arborização urbana se resume à contenção de danos e pouco pode ser feito em relação ao planejamento de medidas preventivas, sem contar os cuidados necessários para manter as árvores saudáveis e sem conflitos com a infraestrutura urbana. Árvores saudáveis e com os procedimentos necessários para manutenção em dia dificilmente caem, ou seja, um bom trabalho de prevenção inclui identificar e remover os exemplares comprometidos.  Se você você encontrar uma árvore com  tronco inclinado, parcialmente apodrecido, oco, esburacado ou com grande número de galhos secos, chame a vistoria técnica, pois esses são sintomas que caracterizam espécimes com risco de queda.