São focos úmidos que se espalham por toda a região da Serra da Bodoquena. Enchem-se de água, proliferam a biodiversidade e mantém vivos cursos d’água como o Rio da Prata e o Formoso. São os brejões ou banhados, que não têm, apesar da importância, proteção específica. O turvamento das águas cristalinas – principal atrativo turístico da região – provocou muita discussão, culminou em decreto estadual. O município que mais anda sentindo impacto é Bonito, interior também do Estado.
A situação no município a 257 km de Campo Grande e região foi novamente abordada em debate convocado pela OAB-MS (Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Mato Grosso do Sul). A discussão ocorreu ontem à noite, uniu promotores, empresários do turismo, produtores rurais, poder público e ambientalistas e mostrou que a proteção ambiental da Serra da Bodoquena ainda é horizonte a ser perseguido.
Advogada e integrante do Condema (Conselho Muncipal de Meio Ambiente de Bonito), Marla Diniz Brandão Dias acompanhou o debate e já havia alertado para legislação municipal que, se alterada, poderia configurar “ainda mais retrocesso”. Depois do alerta, projeto do executivo municipal que buscava revogar o Programa de Conservação de Solo e Água de 2015 foi deixado de lado.
Agora, afirma, a preocupação se volta para os banhados. Conforme relatou, a falta de fiscalização ambiental também foi destacada. Estradas vicinais e atividades rurais foram apontadas pelo promotor Luciano Loubet como as principais causadoras do turvamento das águas.
“Houve uma exposição das leis que existem, os promotores disseram que a grande dificuldade é fiscalizar. O estado que disponibiliza recursos para PMA [Polícia Militar Ambiental] e Imasul [Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Su], que está com trabalhos atrasados com relação aos brejões. Ficou muito claro que se não conter os drenos no brejão o rio da Prata vai acabar. Estamos aguardando uma posição do Imasul sobre os brejões, ele precisa se posicionar”, declarou.
Segundo a advogada, uma das hipóteses levantadas foi a reserva de parte dos vouchers dos passeios turísticos para proteção ambiental.
Um Rio que pode ser “perdido” – Perdido é o nome, mas também a ameaça do futuro de uma das belezas aquáticas da região de Bonito. O curso d’água que brota e depois “desaparece” é ainda pouco explorado pelo turismo, mas a supressão de APPs (Áreas de Preservação Permanente) em propriedades rurais que abrigam sua nascente e os drenos nos banhados já colocam o Perdido em risco.
Fiscalização do Instituto do Homem Pantaneiro no dia 11 de abril no banhado e nascente do Rio Perdido “constatou anormalidades”. Documento do Instituto indica irregularidades nas Fazendas Baia das Garças e Princesinha, com uso de drenos e retirada de vegetação da área de preservação.
“As iniciativas são tímidas diante do desafio e da oportunidade. Esse talvez seja o ponto mais crítico, você tem uma ineficácia com relação aos banhados. As águas nascem em uma região de brejão e pela inexistência de uma política local ela fragiliza e coloca em risco esses rios, é necessário uma decisão política do estado. São lugares extremamente importantes, o proprietário se tem restrição [da produção] deve ser compensado. O Rio Perdido ainda nem é explorado e tem um potencial imensurável dentro do Parque da Bodoquena”, comentou o presidente do Instituto, Angelo Rabelo.
Rabelo defende que se crie proteção específica para os banhados, além de micro zoneamentos. “O ponto principal [da discussão] foi a inexistência de um zoneamento que coloque restrições das atividades, hoje não existe, você tem um macrozoneamento, mas como Bonito. A região da Serra de Bodoquena não é só Bonito, é Jardim, Nioaque, e outros lugares que já tem atividades de turismo em plena expansão. É necessário que exista um pacto dos diferentes interesses”, pontuou.
Decreto editado pelo governo do estado estabelece uma rotina de apresentação e de aprovação do projeto técnico de manejo e de conservação de solo e água em propriedades rurais. O projeto visa a obtenção de declaração ambiental que ateste a conformidade para a realização de trabalhos de mecanização de solos (aração, gradagem, subsolagem) com vistas à renovação ou à recuperação de pastagens e à implantação de lavouras permanentes ou temporárias e de outras atividades de movimentação de solo na bacia de contribuição dos rios Formoso e da Prata.
Conforme a Semagro (Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar), o objetivo é preservar a integridade dos recursos hídricos naquela região (principalmente os banhados e nascentes), reduzir o impacto do acarreamento de sedimentos aos rios e córregos, principalmente no período de chuvas, e evitar maiores prejuízos ao meio ambiente e atividades econômicas.
O presidente do Instituto acredita que o decreto “trate de novos casos”, mas que deixa para trás um imenso passivo. “Precisa ser resolvido e isso só vai acontecer com trabalho forte de micro bacias e efetivamente o trabalho permanente de manutenção de estradas vicinais”, comentou.
“No caso da propriedade, ela tem que ser beneficiada com mecanismos. Eu voei pessoalmente [sobre o Rio Perdido] e é impressionante, ele nasce na propriedade com atividade em plena expansão e se esconde dentro do Parque. Se decisões políticas não forem tomadas para proteger os interesses, corre o risco da gente guardar a fotografia”, disse, uma alusão ao desaparecimento do rio.
Sobre o Rio da Prata, Rabelo afirma que falta definição sobre os drenos que ameaçam os banhados. “O da Prata o mais grave é a questão dos banhados que vem sendo sacrificados, o estado não definiu uma norma que restrinja a questão dos drenos que são responsáveis pela redução dos banhados”, disse.
Exemplo do Taquari – Rabelo lembra que os rios de Bonito podem terminar da mesma forma que o Taquari, entupido e com sedimentação. Um processo que teve início com a rápida e desordenada expansão agrícola no Norte do Estado, na década de 1970.
“Enquanto os banhados não forem considerados uma área protegida, foram drenados, você tem um cenário preocupante que pode, em 10 anos, trazer uma irreversão de um processo que o Taquari é o melhor exemplo”, disse.
Dividir a responsabilidade – Vice-presidente da OAB-MS, Gervásio Alves de Oliveira Junior defende que além de conciliar interesses, resolver a questão implica dividir as responsabilidades para que o prejuízo – pela redução de atividades do agronegócio, por exemplo – não fique apenas para os proprietários rurais.
“O grande conflito é de ordem econômica, quem é proprietário quer resultados, quem não é acha que não pode ser explorado por questões fundamentais ambientais. Para a preservação se pretende que a responsabilidade, o prejuízo, seja exclusivo do proprietário. Essas reuniões servem para estabelecer que a responsabilidade seja de todos. Precisa de comprometimento, precisa que o proprietário rural tenha um comprometimento da utilização mais racional de acordo com as características regionais, mas que todos participem dos custos dessa manutenção”, declarou.