O espetáculo “Show do Cupido”, apresentado por um circo na cidade de Amambai, em Mato Grosso do Sul, no último domingo (12), virou caso de polícia e alvo de diversas manifestações contrárias, com repercussão também na Câmara Municipal de Campo Grande e na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul.
O motivo é que, durante a apresentação, homens vestidos apenas de cueca, com a estampa de um coração na frente, fazem danças sensuais, enquanto o público é formado por uma grande parcela de crianças.
Em vídeos divulgados nas redes sociais, é possível ver os “cupidos” seminus dançando, com um artefato de figurino em formato de arco e flecha e até sentando no colo de uma pessoa na plateia, que, desconfortável, afasta o personagem.
Em determinado momento, há uma encenação de striptease no palco, seguida do palhaço fazendo dança sensual para um homem que está sentado em uma cadeira.
Há momento em que o homem se levanta e o palhaço o abraça e passa as mãos pelo corpo do rapaz. No mesmo vídeo, é possível ver que a plateia é majoritariamente de crianças.
Logo após o show, vários pais ou responsáveis fizeram denúncias na Polícia Civil, afirmando que o espetáculo deveria ter restrição de idade.
Um inquérito foi aberto para apurar as denúncias, mas como envolve menores de idade, a investigação segue em sigilo.
O próprio cartaz de divulgação do show traz personagens infantis, o que induz a crer que a atração é própria para todas as idades, tendo sido feita, inclusive, divulgação nas escolas da cidade.
Em nota, a Prefeitura de Amambai afirma que foi surpreendida com o ocorrido.
“É comum a administração pública incentivar manifestações de artistas que nos procuram e oferecem como contrapartida, benefícios para a nossa população, que no caso da companhia circense em questão seria retorno financeiro a uma entidade do município, qualificação de profissionais locais com uma oficina de circo e ingressos gratuitos para crianças carentes”, diz a nota.
A prefeitura informa ainda que a arte do cartaz foi produzida com base na divulgação própria da companhia e no portfólio disponibilizado pelos artistas, onde não há nenhuma menção quanto à restrição de idade.
“A companhia foi omissa e não se preocupou em restringir o acesso de menores de 16 anos ao recinto onde ocorreu o espetáculo, fator que também não foi levado em consideração na venda dos ingressos tanto pelo site quanto nos pontos físicos e muito menos na divulgação feita pelos membros da trupe nas escolas do município e no material produzido e deixado por eles com os estudantes”, menciona a nota.
A prefeitura afirma que repudia qualquer ação, artística ou não, que coloque crianças e adolescentes em situações como as ocorridas durante a apresentação e que está tomando providências cabíveis.
Repercussão política
Mesmo não tendo ocorrido na Capital, na Câmara Municipal de Campo Grande, o assunto foi repercutido pelo vereador Papy (Solidariedade), que repudiou a apresentação imprópria para crianças.
“A prefeitura contratou e apoiou um evento dito cultural, apresentado para crianças, que a própria sociedade custeou os bilhetes para levar o filho para ter uma distração, mas chegou lá era uma dança erótica, com dois homens adultos sensualizando para crianças de 6 anos de idade”, disse.
“O vídeo é horroroso, o vídeo é algo completamente inadmissível, as crianças tapando o rosto enquanto os homens dançam se despindo, fazendo gestos sexuais para crianças assistirem”, acrescentou.
O vereador afirma que entrou em contato com a prefeitura de Amambai, mas que é importante o debate para que não se volte ao “estímulo à cultura pornográfica e de conotação sexual”.
“Nós estamos aqui trabalhando arduamente nesse plenário com legislações contra o abuso e exploração de crianças e adolescentes, constantemente a gente vem fazendo esse debate e vemos a própria prefeitura, com dinheiro do contribuinte, apoiando eventos que traz essa sexualização fora de hora”.
Ele encerrou a fala dizendo que não se trata de conservadorismo ou de ser político cristão, mas de “bom senso”.
“Alguém que imagina que isso é bom para criança está com psique alterada, não sabe o que está falando, isso faz mal, isso ofende a sociedade. Na verdade, esse show é um crime de ato libidinoso, é um crime contra criança”, concluiu.
O vereador Clodoilson Pires (Podemos) concordou com a fala, dizendo se tratar de uma vergonha a realização do espetáculo para um público infantil.
“A gente, em Campo Grande, tem visto constantemente crimes contra a criança, hediondos, nós como vereadores precisamos estar atentos, fiscalizar, porque nem tudo que se diz cultura de fato é cultura, às vezes é uma destruição dos valores morais que nós temos na nossa sociedade”, disse.
Na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, o assunto também virou pauta de discussão.
O deputado estadual Rafael Tavares (PRTB) criticou a apresentação circense e disse que, ao analisar as imagens, “é absurdo” o show com crianças presentes.
“Nosso gabinete oficiou a prefeitura de Amambai para saber o motivo dessa apresentação, pois muitos familiares nos procuraram para saber quem é o responsável pelo apoio por esse evento, como se deu o apoio, e o que a gestão municipal de Amambai fará para responder ao cidadão”, relatou.
O deputado Paulo Corrêa (PSDB) explicou que entrou em contato com o prefeito municipal de Amambai, Ednaldo Luiz de Melo Bandeira (PSDB) e que foi informado que não houve apoio da prefeitura.
“Tivemos o cuidado eu e o deputado Zé Teixeira [PSDB], de verificar essa questão que também chegou até nós e não há apoio financeiro algum. Há lisura no procedimento da gestão municipal. E isso pode acontecer com qualquer prefeitura, pois as manifestações culturais são diversas e plurais", destacou.
Multa
Além da investigação policial, o dono do circo também foi multado em R$ 47.380,00 por uso de animais como atrativos, o que é proibido por lei estadual.
A Polícia Militar Ambiental (PMA) apreendeu duas serpentes, das espécies jiboia e píton, ilegais, que eram usadas como atração na apresentação.
O proprietário da empresa afirmou que não sabia da proibição de uso dos animais nas apresentações no Estado.
A lei Estadual 3.642/2009 proíbe o uso de qualquer tipo de animal como atrativo em todo o território de Mato Grosso do Sul, em espetáculo circense ou similar.
Além de infringir a lei, nenhuma das serpentes tinha documentação, inclusive, a jiboia que se trata de animal silvestre nativo.
Os animais foram apreendidos e serão encaminhados ao Centro de Animais Silvestres (CRAS) em Campo Grande.
O dono do circo, residente em Vila Velha (ES), disse que recebeu as serpentes, que são domesticadas, de doação de um amigo, também proprietário de circo, há três anos.
Além da multa, ele foi autuado administrativamente e responderá por crime ambiental de introduzir animal no País sem autorização, devido à píton, que é uma espécie exótica, e por manter animais silvestres ilegalmente em cativeiro.
Circo comemora
Nas redes sociais, a companhia circense ironizou o caso e comemora a repercussão.
No Instagram, uma postagem afirma que o show é apresentado há mais de cinco anos e que continuará sendo levado para todo o Brasil da mesma forma.
Segundo a publicação, desde o último domingo, quando houve a polêmica, as contratações teriam aumentado.
Por fim, o grupo agradece, ironicamente, a prefeitura e a cidade de Amambai pela visibilidade.