“Reza para você não estar grávida, porque você está gorda, vai ficar feia”; “Você tem cara que gosta de f***”; “Como você gosta de tr***?”; “Toma vergonha na cara e vai para academia!”. Todas as frases são atribuídas ao ginecologista Salvador Walter Lopes de Arruda, 69 anos, ex-diretor do Hospital Regional, em processos que tramitam ou tramitaram na Justiça de Campo Grande, seja por erro médico ou importunação sexual.
Arruda é considerado foragido da Justiça desde 26 outubro de 2020, conforme mandado expedido pela 4ª Vara Criminal de Campo Grande no processo por importunação sexual. Nesta ação, protocolada na Justiça em 2021, foi denunciado por paciente e colegas de trabalho por abusos em clínica e hospital que atendia na Capital. O mandado de prisão é válido até outubro de 2034.
Antes disso, o ginecologista já era alvo de outras denúncias de pacientes que reclamaram sobre o atendimento prestado e erros cometidos durante cirurgia, como o esquecimento de compressa de algodão no mesocólon (expansão do peritônio).
Na lista de processos pesquisadas pelo Campo Grande News, consta um em que o médico foi absolvido pois não havia testemunhas que comprovassem a versão da paciente. No dia 20 de maio de 2015, a mulher, então, com 30 anos, foi até a Clínica Hospitalar Santa Rita de Cássia, no Jardim Monumento, para ser atendida por conta de alterações no ciclo menstrual e incômodos na região pélvica.
A mulher foi com o marido, mas entrou sozinha no consultório. Após o exame, diz ter se surpreendido com as perguntas do médico. “Como você gosta de tr***?”. Ao questionar o motivo da pergunta, respondeu: “Para descontrair”. Na saída, diz ter sido abraçada por ele, que ainda segurou seu rosto com as duas mãos e a beijou na boca.
No processo, Arruda negou autoria, dizendo que houve desentendimento; ela queria ser operada e ele se negou a fazer o procedimento. A paciente teria falado que iria ‘ferrar com a vida dele’. O juiz da 5ª Vara Criminal, Waldir Peixoto Barbosa, seguiu o princípio do in dubio pro reo (na dúvida, a favor do réu). O médico foi absolvido em maio de 2020.
Logo após a absolvição, o médico foi denunciado por outra paciente, com relato muito semelhante ao caso anterior. Era agosto de 2020 e a professora, então com 28 anos, foi até a Associação Santa Rita de Cássia para ser atendida.
A professora disse que tinha vaginismo e relata ter ouvido sequência de frases constrangedoras. “Com todo respeito, você é muito gostosa”, disse o médico. “Vamos falar com todas as letras, você é adulta, você deveria tr**, f****”. Arruda ainda teria insinuado que ela “estaria molhada” naquele momento. Também disse que “existem outros tipos de sexo” que ela poderia optar. Fez relatos sexuais pessoais e de terceiros. Terminada a consulta, beijou a mão da paciente, sem o consentimento dela. Quando estava saindo, a mulher contou que ainda foi abraçada.
O processo foi aberto em 2021, na 1ª Vara Criminal de Campo Grande. A professora reuniu depoimentos de testemunhas, entre elas, de ginecologista que relatou assédio semelhante, uma forma de mostrar que o comportamento é recorrente. Salvador Arruda se manteve em silêncio na ação e responde por infração ao artigo 215 do Código Penal (importunação sexual). O último andamento é de outubro de 2022, em que o médico foi intimado a apresentar defesa.
Frases desconcertantes fazem parte de TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência) que tramitou na 2ª Vara de Juizado Especial. Neste caso, a paciente de 24 anos contou que foi até o consultório, na Associação Santa Rita, para consulta. Ao entrar na sala, Arruda disse para que aguardasse um instante. “Estou marcando um futebol para ficar em forma”.
Na consulta, a mulher disse que estava há 102 dias sem menstruar. “Reza para você não estar grávida, porque você está gorda, vai ficar feia, horrorosa, vai ter diabete, hipertensão e você só volta aqui quando emagrecer”. Em 13 de abril de 2022, o TCO foi arquivado já que, seis meses depois do ocorrido, a mulher não exerceu o direito de dar queixa dentro do prazo legal.
"Toma vergonha!" – Além dos relatos de importunação sexual, Salvador Arruda já foi denunciado em processos por erro médico. Auxiliar de serviços gerais, hoje com 28 anos, entrou com ação em fevereiro de 2020, por conta de atendimento ocorrido no dia 16 de agosto de 2015, na Santa Casa de Campo Grande. Descreveu parto demorado e doloroso, que durou quase 17 horas, em atendimento que começou com Salvador Arruda e terminou com outra médica.
Como ainda sentia dor, após 15 dias da cirurgia, fez exames e descobriu que havia massa no abdômen. Uma semana depois, ainda com dores, diz ter pedido a Arruda por atendimento. “É só uma massa, toma vergonha na cara e vai para academia!”.
Somente após outro exame descobriu, conforme denúncia, que se tratava de resto de placenta. Neste processo, o juiz da 2ª Vara de Fazenda, Ricardo Galbiati, manteve como réu a Santa Casa e a Prefeitura de Campo Grande. O magistrado também diz que o crime de reparação de danos prescreveu, mas manteve perícia para aclarar “pontos controvertidos” nos procedimentos. Os médicos foram retirados do polo ativo, mas a conduta culposa ou dolosa poderá ser reavaliada no decorrer da ação.
Parto doloroso e traumático também foi relatado em ação que corre na 3ª Vara Cível Residual. Neste caso, o atendimento foi na Maternidade Cândido Mariano, envolvendo Arruda e outra médica. A cirurgia aconteceu no dia 4 de fevereiro de 2019. A mulher, então com 21 anos, reclama da demora do procedimento, doloroso, e da conduta de Arruda. Após fazer a costura, voltou e disse: “Vim ver se não esqueci nenhuma gaze, porque senão iria chegar em casa e lembrar, igual a um caso anterior”. Na denúncia, a fala é descrita como “descaso e insensibilidade”. Novamente, os médicos foram retirados do polo ativo, mas a conduta e responsabilidade ainda podem ser reavaliadas.
Em junho de 2016, outro processo por erro médico. A paciente, hoje com 49 anos, passou por histerectomia (remoção cirúrgica do útero). Após o procedimento, a mulher passou 11 dias internada, ficou 16 dias com sonda e passou a presentar infecções e incontinência urinária. O processo ainda tramita na 10ª Vara Cível, agora, pendente de perícia documental.
Em ação de 2016, novamente Arruda foi denunciado por conduta durante parto, realizado no dia 16 de outubro de 2013. A denunciante tinha 28 anos quando foi à Santa Casa para o parto da filha. Seis meses depois da cirurgia feita por Salvador Arruda, passou a sentir dores. Demorou 18 meses até conseguir pelo SUS cirurgia ginecológica exploratória, o que aconteceu em 2015. Foi descoberto “material heterólogo compatível com compressa cirúrgica de algodão” no mesocólon (expansão do peritônio).
Arruda chegou a ser mantido como corréu na ação, conforme andamento na 2ª Vara de Fazenda Pública, mas foi retirado do polo ativo. Santa Casa e Município de Campo Grande foram sentenciados a pagar R$ 36,322 mil por danos morais e estéticos.
No site do CFM (Conselho Federal de Medicina), Salvador Arruda aparece com inscrição regular em SP e MS. A reportagem tentou contato com Salvador Arruda, mas não obteve retorno.