Seu Modesto: o fazendeiro que recuperou o lar das araras-vermelhas no Mato Grosso do Sul

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O nome não poderia ser mais perfeito: Modesto Sampaio. Seu Modesto, como todos o chamam, é uma figura sem igual. O senhor, que tem 77 anos, é uma pessoa simples, de sorriso fácil e extremamente humilde. Fala com sotaque do interior, com uns “r” a mais e a menos.

É filho de uma família gaúcha, que trabalhava no campo, e decidiu mudar para o Mato Grosso do Sul, mais especificamente no município de Jardim, próximo a Bonito. O pai e o avô sempre criaram gado. Durante muito tempo, Seu Modesto seguiu fazendo o trabalho da família, até que 1986, decidiu comprar um pedaço de terra de uma propriedade e a batizou de “Fazenda Alegria”.

Para sua surpresa, ele descobriu bem no meio da fazenda um enorme buraco no meio da mata. Na verdade, Seu Modesto se deparou com uma dolina, formação geológica resultante do desmoronamento de blocos rochosos. O imenso buraco tem 100 metros de altura e 500 metros de circunferência.

A dolina da Fazenda Alegria com 100 metros de altura

O local não era desconhecido dos moradores da região. Muitos já haviam ouvido falar do Buraco das Araras. No passado, a dolina era lar de dezenas de casais de araras-vermelhas, que sobrevoavam a mata e buscavam alimento o lugar. Infelizmente, durante muito tempo, o buraco acabou virando um grande lixão. E as araras foram embora.

Quando Seu Modesto e sua família, que já gostavam de natureza, se depararam com aquela dolina, resolveram mudar a história da Fazenda Alegria. Com o apoio da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, do Exército e do Corpo de Bombeiros da cidade de Jardim, foram retirados três caminhões de lixo e entulhos do interior do buraco. Simultaneamente, os Sampaio começaram a recuperar o entorno da área com o replantio da vegetação nativa do Cerrado e a preservação da fauna.

Em 1997, o primeiro casal de araras-vermelhas foi solto perto da dolina. “Era pra elas chamarem as outras de volta”, disse Seu Modesto na época. Demorou, mas a estratégia deu certo. Hoje cerca de 15 casais de araras – 30 indivíduos – têm a dolina como lar. Outros 20 casais aparecem frequentemente (araras são monogâmicas e vivem com o mesmo parceiro a vida toda).


Casal de araras-vermelhas no Buraco das Araras

Graças a iniciativa de Seu Modesto e sua família, a dolina pode ser chamada de Buraco das Araras novamente. “Vi que se não cuidasse daqui, as próximas gerações – meus filhos, meus netos – não iam ver isso”, diz.

A recuperação do local e a volta das aves acabaram trazendo muitos visitantes para a Fazenda Alegria. Os Sampaio decidiram deixar a pecuária de lado e perceberam que ganhariam muito mais com o turismo ecológico. Atualmente, o Buraco das Araras é uma das principais atrações para quem viaja à região de Bonito.

Num passeio de cerca de uma hora, guias treinados (todos moradores da região) levam os visitantes para conhecer a dolina e ensinam sobre os hábitos das aves e mostram as espécies da fauna e flora do Cerrado. Trinta mamíferos silvestres já foram encontrados dentro da propriedade, como lobinhos, veados e tatus. Além disso, cinco espécies ameaçadas de extinção também habitam a área: tamanduá-bandeira, lobo-guará, jaguatirica, veado-mateiro e anta.


Sempre em casais, as araras fazem ninhos nas fendas da dolina

Em 2007, Seu Modesto sentiu a necessidade de perpetuar a conservação da dolina e foi criada a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Buraco das Araras, tornando os 29 hectares ao redor do local protegidos para sempre. Recentemente a família comprou parte das terras da fazenda ao lado para fazer o reflorestamento com mata nativa.

A história deste fazendeiro mostra que a vontade de um único indivíduo pode fazer a diferença na vida – ou na sobrevivência – de muitos animais. Seu Modesto fez. Trouxe de volta as araras-vermelhas a seu lar. E permitiu que, todo os dias, centenas de turistas possam ver o espetáculo da revoada das aves nesta dolina no Mato Grosso do Sul.


A revoada das araras-vermelhas atrai centenas de turistas


A arara-vermelha, que se alimenta de coquinhos, especialmente da bocaiúva, palmeira típica da região

Fotos: divulgação Buraco das Araras/Guavira Brasil Fotos e Suzana Camargo